Um Lugar Chamado Nárnia – Parte III

22.8.12

Escrito por: Renata Ribeiro Arruda (Grupo News)


Um Lugar Chamado Nárnia – Parte III

De Calormânia a Nárnia: o caminho para a verdadeira identidade

Este artigo é o terceiro de uma sequência de sete sobre “As Crônicas de Nárnia”, criação do escritor irlandês C.S.Lewis, que teve, recentemente, três episódios da série adaptados para o cinema: “O leão, a feiticeira e o guarda-roupa”, “Príncipe Caspian” e “A Viagem do Peregrino da Alvorada”.
A gente logo reconhece um estrangeiro em nossa terra. Nossa nacionalidade está, geralmente, externalizada em nossas características físicas, de modo que um turista é facilmente identificado. Não é, porém, só a aparência que diferencia os povos. Nossos costumes, fala e valores revelam muito sobre o lugar de onde viemos. Um estrangeiro parece agir de modo diferente, mesmo quando faz o mesmo que um filho da terra. Nesse sentido, nós, os cristãos, somos peregrinos neste mundo, e nossas ações revelam nosso pertencimento a outro reino.

É sobre essa peregrinação dos cristãos na Terra que pude meditar a partir da leitura do terceiro livro da série “As Crônicas de Nárnia”. O cavalo e seu menino nos leva até os arredores do país de Aslam, onde vive Shasta, um garoto de vida monótona e história sofrida. Não tendo nunca conhecido os pais, ele foi apadrinhado por um pescador ranzinza que vive na Calormânia, ao sul de Nárnia. Na casa em que moram apenas os dois, o chamado “filho” pelo calormano está muito mais para servo.
Aqueles que vêm acompanhando nossa viagem pelo mundo mágico criado por C.S. Lewis já conhecem as quatro crianças que foram coroadas reis e rainhas na história anterior. O livro referido aqui narra uma história que se dá pouco tempo depois:

"Conta-se aqui uma aventura que começou na Calormânia e foi acabar em Nárnia, na Idade do Ouro, quando Pedro era o Grande Rei de Nárnia e seu irmão também era rei, e rainhas suas irmãs."

Entretanto, o foco deste livro, como o próprio nome já sugere, não são os quatro irmãos. Aliás, pensamos sempre que um humano é que possui um cavalo, e não o contrário. Neste caso, o cavalo, que é um legítimo narniano, toma a iniciativa, propondo ao seu menino uma aventura até as terras do Norte. De um encontro inesperado, grandes descobertas serão feitas.

O encontro dos dois se deu assim: um tarcaã, homem importante da região, chegou com seu cavalo para se hospedar na casa de Arriche (“pai” do rapazinho) e mais tarde quis comprar dele o menino. Shasta, que ouviu atrás da porta a conversa dos dois, foi dormir na estrebaria, como sempre acontecia quando havia hóspedes. Lá acabou descobrindo o cavalo falante, que até então se comportara como um animal comum.

Percebendo a oportunidade de retornar a sua pátria, o cavalo propõe ao menino uma fuga para as terras do Norte. O garoto tinha sempre sentido certa atração pela região, mesmo sem saber ao certo o porquê. É nesse ponto também que nos assemelhamos com o pequeno.
Shasta é a figura de qualquer cristão antes da conversão e também após ela. Nascera servo. Nós também, só que do pecado. Num mundo cinzento e duro – como a Calormânia –, sofremos com as obrigações que nos são impostas. Não nascemos livres. Ansiamos por uma liberdade que desconhecemos. E estamos, assim como o menino, sempre olhando para as terras distantes, de um lugar de onde nada vemos, ainda que esperemos. Perguntamos por um lugar melhor – como ele ao pai –, e ninguém nos informa. Mas uma grande expectativa arde em nosso coração. É o chamado para nossa verdadeira identidade.
Nunca antes, tendo sempre vivido na Calormânia, Shasta soubera algo a respeito de Nárnia ou outros países ao Norte. Ignorava seu passado e suas origens, não por descaso, mas por falta de fontes que o levassem até eles. Desconhecia Aslam ou qualquer ideia relacionada à sua existência. No entanto, evidências sobre sua linhagem lhe traziam uma nova realidade. Como na fala do tarcaã:

"É evidente que esse menino não é seu filho, pois seu rosto é escuro como o meu, e o rapazinho é claro e bonito como os malditos mas belos selvagens que habitam as distantes terras do Norte."

E numa conversa com o cavalo:
"– Fabuloso! – exclamou Shasta. – Vamos para o Norte. É para o Norte que eu sempre quis ir a vida inteira.
– Sem dúvida – comentou o cavalo. – É a voz do sangue. Você para mim só pode ser nortista."
Num encontro forçado, a dupla (cavaleiro e cavalo) conhece Aravis e Huin, a filha de um tarcaã e uma égua também narniana. A menina e a égua fugiam igualmente para Nárnia. Um quarteto atípico é formado por seres distintos de histórias diversas. O grupo é unido apenas pelo mesmo objetivo de ir para o Norte. E aí se inicia uma experiência que marcará para sempre suas vidas.

Porém esse é apenas o começo da história. Muitas outras lições sobre chamado, identidade e humildade são encontradas nessa aventura. Não quero, no entanto, tirar o gosto pela leitura contando o desenrolar e o fim do conto. Desse modo, quero finalizar meus comentários chamando a atenção para dois pontos.
Na narração, podem ser encontrados convenientes comentários do narrador, que enriquecem a fábula. Entre eles, gostaria de destacar uma frase:

"O coração de Shasta quase parou ao ouvir essas palavras, pois já não lhe restavam reservas de força. Por dentro rebelava-se contra o que lhe parecia a crueldade da missão. Ainda não aprendera que a recompensa de uma boa ação é geralmente ter de fazer uma outra boa ação, mais difícil e melhor. ."

E, por fim, é importante notar a maneira pessoal como o autor vai revelando, a cada livro, mais detalhes a respeito da personalidade de Aslam. Uma similaridade impressionante pode ser percebida entre o leão descrito e o Jesus que buscamos. Nesta história, uma característica do Grande Leão sobressai: a forma amorosa como está por trás dos fatos mais marcantes da vida, o que faz com que, a seu tempo, desvende os caminhos trilhados e aponte os erros cometidos, sem nunca contar a história de outros. O seu foco, quando revela detalhes de uma história, está sempre nela, nunca em outra.

“A cada um, conto só a história que lhe pertence”, responde Aslam mais que uma vez no livro. Trata-se de algo similar ao que Jesus disse a Pedro quando este perguntou sobre o que aconteceria a João: “Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti?” (Jo 21.22).

Ilustração: Pauline Baynes

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